segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Exercícios de admiração



Achei tão bonito o nome desse livro, Exercícios de admiração de Cioran. Esse livro é a prática de um pensador inquieto sobre o que eu falei no post anterior. Eu chamei de trabalho de apreciação, ele muito mais inspirado, chama de Exercício de admiração. Por conta do alto acesso que a última publicação teve, fico entusiasmada para seguir publicando. 

Hoje, compartilho um trecho de um texto de Cioran sobre o ato de escrever. É tão bom quanto um texto provoca não só reflexão, mas também o corpo. Sinto que as palavras dele atravessam o corpo, instigam. 

Borges, Beckett, Joseph de Maistre, cada escritor escolhido por ele, tem um capítulo dedicado neste livro, onde ele faz reflexões, indagações e afirmações, que vão além das obras destes autores.

Abaixo, o trecho de um capítulo, sobre o ato de escrever.

                           Confissão resumida

"Só tenho vontade de escrever num estado explosivo, na excitação ou na crispação, num estupor transformado em frenesi, num clima de ajustes de contas em que as invectivas substituem as bofetadas e os golpes. Em geral, começa assim: um ligeiro tremor que se torna cada vez mais forte, como depois de um insulto que se recebeu sem responder. Expressão equivale à réplica tardia ou à agressão adiada. Escrevo para não passar ao ato, para evitar uma crise. A expressão é alívio, desforra indireta daquele que não consegue digerir uma vergonha e que se revolta em palavras contra os seus semelhantes e contra si mesmo. A indignação é menos um gesto moral que literário, é mesmo a mola da inspiração. E a sabedoria? É justamente o oposto. O sábio em nós arruína todos os nossos élans, é o sabotador que nos enfraquece e nos paralisa, que espreita em nós o louco para dominá-lo e comprometê-lo, para desonrá-lo. A inspiração? Um desequilíbrio súbito, volúpia inominável de se afirmar ou de se destruir. Não escrevi uma única linha em temperatura normal.E, no entanto, durante muitos anos, me julguei o único indivíduo livre de taras. Esse orgulho me foi benéfico: me permitiu escrever. Parei praticamente de produzir quando, apaziguado o meu delírio, me tornei vítima de uma modéstia perniciosa e funesta para esta exaltação de que emanam as instituições e as verdade. Só consigo produzir quando, tendo desaparecido subitamente o sentido do ridículo, me considero o começo e o fim."

Cioran




sábado, 21 de setembro de 2013

                                                         foto de Jéssica Barbosa         

Não gosto de ver poesia compartilhada na rede como se fosse uma frase do "minutos de sabedoria" sorteada na caixinha. Tenho muito cuidado ao compartilhar trabalhos artísticos na rede para não inseri-los numa dimensão demasiadamente cotidiana. A arte tem que fazer parte do cotidiano, mas a arte é extra-cotidiana, a poesia nos exige um estado. Eu tenho gostado mais da arte que me exige, que me abre fendas, que me mostra outras dimensões. Com a poesia eu posso sentir mais intensamente o que vivo, dar uma pausa nas demandas que a realidade exige ou ainda enxergar as demandas com luzes de outras cores. A poesia abre espaços imensos de compreensão, de dúvidas. Certamente uma frase pode iluminar o dia. Existem muitos textos, canções e vídeos que precisam ser compartilhados, sentidos, debatidos e a rede é um espaço maravilhoso de acesso. 

Será que deveríamos ter algum tipo de cuidado ao compartilhar uma obra de alguém ou o trabalho da apreciação deve ser feito posteriormente por parte de quem acessa? O que acontece quando pego uma música e coloco como toque do meu celular? Será que não estou "condenando" a música como as novelas já fazem? É como falar muito sobre algo tentando desvendar o mistério quando o mistério é exatamente o ponto de luz. O trabalho da apreciação artística, muitas vezes, pode ser somente contemplativo, podendo ser feito por parte de quem acessa, mas quem compartilha pode instigar que esse trabalho seja feito. Talvez eu esteja querendo falar sobre diálogo. 

Que tipo de diálogo temos com nossos amigos, na nossa faculdade, com nossos professores? O quanto conseguimos nos aprofundar nos debates relativos à arte? Qual a qualidade da troca que se dá hoje na internet? O espaço é tão grande que eu sinto que preciso estar sempre atenta, ir além do gostar e do não gostar.
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Toda essa introdução para dizer que estou numa fase de redescoberta de minha escrita, alimentada por afetos aos quais estou exposta. Considero a minha escrita ainda como um rabisco, são traços, rascunhos, intenções. Compartilho-a aqui, por que olho para ela, não a sinto mais como minha, e sinto a necessidade de expô-la a outros olhos. 

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                                                foto de Jéssica Barbosa


Madrugada,

Sereia insone e fria
Deusa inconstante
Por que me clama assim?

Desejosa de mim,
da minha carne cor de noite
Do meu ventre melancólico e quente

Sanguessuga, alimento,
de tudo que evoca
Vem, atiça dama! Vem, guerrear comigo

Noite adentro, lua alta
Minha pele amorna ao ser envolvida por ti.
Nessa hora escuto ainda mais alto teu clamor

Tu és uma espécie de planeta
Morada de poetas e vadios
De bêbados e putas, que festa!

Ai! As putas que por sobre ti vagueiam...
Quero deleitar sobre seus seios quentes, vividos,
sujos, violentos e amorosos , todos os meus desejos!


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

FRESTA





Um dia, cansada de se habitar, ela vestiu-se de nada e saiu correndo. Fugia rumo ao desencontro. Tudo começou num dia em que ela sentiu muito cansaço. Abriu uma fresta da janela, que ficava fechada, deitou-se no chão e sonhou. Uma flecha ardente adentrou pela fresta. Sorrateira, a luz lhe roçava o corpo devagar, para não lhe acordar. Depois, sem medo, habitou-lhe o corpo inteiro. Quando acordou, parecia que ainda dormia. Primeiro ela não sentiu fome, mas depois achou que podia comer o mundo. Sentiu calor e banhou-se, depois sentiu muito frio. Esse raio de luz, era de uma estrela recém caída na terra. As estrelas caídas são raras, lhe haviam dito quando criança. Elas possuem um grande mistério... É preciso muita coragem para colhê-las, para abrir-lhes as frestas... Ela já corria há mais de 3 dias tentando deixar no ar a luz que havia lhe impregnado o corpo. Não buscava e nem procurava nada, só livrar-se. Livrar-se de si mesma. Estava impregnada daquela luz, ofuscada com o brilho. Quando não aguentou mais, parou! Não estava ofegante, não sentia cansaço. A pele escura da noite silenciava as temperaturas diurnas. Gritos ecoavam no abismo. Foi quando viu que seu umbigo estava aberto! Espanto, encanto. Não tinha coragem de olhar novamente. Será que deveria prender a respiração? Será que deveria respirar fundo? Ela pausava, perplexa. Olhou novamente e conseguiu ver lá dentro. Como se dava isso, se ela havia corrido tanto fugindo de si? Será que a ferida abria por que correra tanto? Olhou novamente e viu algo muito estranho, sentia medo. Uma ferida aberta, exposta. Uma luz intensa rasgava-lhe o umbigo, rompia-lhe a barriga. Uma estrela dentro dela! Ela se encostou numa árvore e resolveu esperar. Entre os uivos noturnos e a brisa do alvorecer, esperou. Assim o tempo foi passando, passando, passando. Quanto tempo passou? Já nem se sabe. Mas dizem que a ferida abriu tanto que tomou-lhe o corpo inteiro. Assim ela se transformou numa estrela, invisível aos olhos...

novas configurações

Simplesmente Saturno retorna! Isso é o que dizem quando os 28 anos se aproxima. Estou achando uma delícia amadurecer, me aproximar dos 30 anos. Posso dizer que vivo plenamente o gozo da idade. Me sinto muito jovem ainda, mas já consigo ver muito mais do que via antes, do mundo e de mim. Por isso, sinto a urgência de renovações, de novas configurações. Essa foto foi feita por um grande amigo e me revelou muito isso. Esse blog sempre esteve dedicado a divulgar o meu trabalho profissional, alimentar meu site. Acontece que eu percebi que tem uma outra Jéssica que se coloca muito pouco aqui. Quem vem visitar minha página, acaba revendo o que já vê por aí nos meus trabalhos. Por isso, como artista que sou, urge que eu me exponha um pouco mais aqui. Hoje começo a sentir a necessidade de me comunicar, de compartilhar, mesmo que seja para poucos. A internet nos deixa muito dispersos. São milhares de informações chegando o tempo inteiro e nós estamos o tempo inteiro buscando por milhares de informações. No blog, acredito que eu possa ter um olhar mais atento para minhas publicações. Por aqui, talvez eu possa falar com aquele que procurar, com quem vier visitar minha página! Por isso vou revelar mais por aqui... É hora de reconfigurar!