FRESTA
Um dia, cansada de se habitar, ela vestiu-se de nada e saiu correndo. Fugia rumo ao desencontro.
Tudo começou num dia em que ela sentiu muito cansaço. Abriu uma fresta da janela, que ficava fechada, deitou-se no chão e sonhou.
Uma flecha ardente adentrou pela fresta. Sorrateira, a luz lhe roçava o corpo devagar, para não lhe acordar.
Depois, sem medo, habitou-lhe o corpo inteiro. Quando acordou, parecia que ainda dormia.
Primeiro ela não sentiu fome, mas depois achou que podia comer o mundo. Sentiu calor e banhou-se, depois sentiu muito frio.
Esse raio de luz, era de uma estrela recém caída na terra. As estrelas caídas são raras, lhe haviam dito quando criança. Elas possuem um grande mistério...
É preciso muita coragem para colhê-las, para abrir-lhes as frestas...
Ela já corria há mais de 3 dias tentando deixar no ar a luz que havia lhe impregnado o corpo.
Não buscava e nem procurava nada, só livrar-se. Livrar-se de si mesma. Estava impregnada daquela luz, ofuscada com o brilho.
Quando não aguentou mais, parou! Não estava ofegante, não sentia cansaço.
A pele escura da noite silenciava as temperaturas diurnas. Gritos ecoavam no abismo.
Foi quando viu que seu umbigo estava aberto! Espanto, encanto.
Não tinha coragem de olhar novamente.
Será que deveria prender a respiração?
Será que deveria respirar fundo?
Ela pausava, perplexa. Olhou novamente e conseguiu ver lá dentro.
Como se dava isso, se ela havia corrido tanto fugindo de si?
Será que a ferida abria por que correra tanto?
Olhou novamente e viu algo muito estranho, sentia medo.
Uma ferida aberta, exposta. Uma luz intensa rasgava-lhe o umbigo, rompia-lhe a barriga.
Uma estrela dentro dela!
Ela se encostou numa árvore e resolveu esperar.
Entre os uivos noturnos e a brisa do alvorecer, esperou.
Assim o tempo foi passando, passando, passando.
Quanto tempo passou? Já nem se sabe.
Mas dizem que a ferida abriu tanto que tomou-lhe o corpo inteiro.
Assim ela se transformou numa estrela, invisível aos olhos...
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