Achei tão bonito o nome desse livro, Exercícios de admiração de Cioran. Esse livro é a prática de um pensador inquieto sobre o que eu falei no post anterior. Eu chamei de trabalho de apreciação, ele muito mais inspirado, chama de Exercício de admiração. Por conta do alto acesso que a última publicação teve, fico entusiasmada para seguir publicando.
Hoje, compartilho um trecho de um texto de Cioran sobre o ato de escrever. É tão bom quanto um texto provoca não só reflexão, mas também o corpo. Sinto que as palavras dele atravessam o corpo, instigam.
Borges, Beckett, Joseph de Maistre, cada escritor escolhido por ele, tem um capítulo dedicado neste livro, onde ele faz reflexões, indagações e afirmações, que vão além das obras destes autores.
Abaixo, o trecho de um capítulo, sobre o ato de escrever.
Confissão resumida
"Só tenho vontade de escrever num estado explosivo, na excitação ou na crispação, num estupor transformado em frenesi, num clima de ajustes de contas em que as invectivas substituem as bofetadas e os golpes. Em geral, começa assim: um ligeiro tremor que se torna cada vez mais forte, como depois de um insulto que se recebeu sem responder. Expressão equivale à réplica tardia ou à agressão adiada. Escrevo para não passar ao ato, para evitar uma crise. A expressão é alívio, desforra indireta daquele que não consegue digerir uma vergonha e que se revolta em palavras contra os seus semelhantes e contra si mesmo. A indignação é menos um gesto moral que literário, é mesmo a mola da inspiração. E a sabedoria? É justamente o oposto. O sábio em nós arruína todos os nossos élans, é o sabotador que nos enfraquece e nos paralisa, que espreita em nós o louco para dominá-lo e comprometê-lo, para desonrá-lo. A inspiração? Um desequilíbrio súbito, volúpia inominável de se afirmar ou de se destruir. Não escrevi uma única linha em temperatura normal.E, no entanto, durante muitos anos, me julguei o único indivíduo livre de taras. Esse orgulho me foi benéfico: me permitiu escrever. Parei praticamente de produzir quando, apaziguado o meu delírio, me tornei vítima de uma modéstia perniciosa e funesta para esta exaltação de que emanam as instituições e as verdade. Só consigo produzir quando, tendo desaparecido subitamente o sentido do ridículo, me considero o começo e o fim."
Cioran
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