Os olhos, mistério. Um ator e uma vida interior tão complexa, quanto a própria vida. Ação: uma personagem sai de um buraco coberto por neve para procurar comida, cena do filme Na Neblina de Sergei Loznitsa. Essa personagem vai na casa de uma família que o acolhe, come, pega suprimentos, e na volta para o esconderijo encontra soldados alemães. Os soldados lhe ordenam que os levem ao lugar onde ele pegou a comida. Nesse momento, a mágica de um bom ator me impressiona. Primeiro vemos a personagem pensar que não pode trair a família, que deve protegê-los e por isso, não vai levar os soldados lá. Depois os olhos da personagem vêem a morte. No fim dessa cena, eu estava certa que ele não levaria os soldados lá e que morreria. Próxima cena: o homem resolve salvar a própria vida e se torna um traidor levando os soldados até a casa. Eles matam toda a família. Por isso, um bom roteiro e um bom ator são dois elementos importantes para que o jogo da cena possa ser tão interessante.
Poderia falar de aspectos históricos, políticos, morais e humanos deste filme. Só que o que mais me move agora é a complexidade de sentidos que uma obra de arte exige, é a questão do tempo de maturação que o cinema obriga, é a arte do ator. Depois de assistir esse filme posso dizer que não acredito que ao ator baste presença. A presença é fundamental para que a cena aconteça quase que de maneira real, vivida, sentida. Só que além de ter presença, o ator precisa ser inteligente, estrategista. Adoro ser enganada por um ator, por que é isso que a vida faz isso com a gente o tempo inteiro. O ator nos mostra nos seus olhos uma direção oposta ã que ele seguirá na sequência seguinte. Ele é fiel ao roteiro, sabe que deve levar os soldados lá, mas em segundos nos aponta uma direção diferente.
Na Neblina me faz pensar muito em como o artista precisa ser amigo do tempo. Amadurecer é levar porrada, ouvir críticas, se doar, realizar e poder ainda assim desacreditar do que foi feito. É se permitir ter urgência, tropeçar, cair, ferir, e é também se atirar, voar, ganhar reconhecimento. A obra exige que olhemos para ela com tempo, com calma, com um espírito artesão e livre. A obra nos suplica que nos lancemos para ela sem nos poupar e que talvez pelo meio do caminho a abandonemos, por que ela já não nos faz mais sentido. Um artista precisa ser um buscador por natureza, ele deve questionar o mundo, propor novas formas, provocar que novos olhares se abram para o mundo. O mundo ao mesmo tempo que parece se transformar numa velocidade rápida ainda mantém estruturas muito antigas. A missão do artista é que se mova a cada dia, que amplie seu olhar, descubra novas formas sempre.
A indústria exige produtividade, números, público, sucesso. Na indústria se fabrica produtos para serem consumidos, devorados pelo sucesso. O sucesso é muito importante, o dinheiro possibilita a produção nessa estrutura capitalista em que estamos inseridos. O sentido de uma obra, todo pensamento por trás dela, ainda é o mais importante para mim. Isso é ser artesão de alguma forma. O artesão se permite olhar primeiro, aceita não ver nada, para encarar novamente e logo depois ver fundo, tão fundo que descobrirá coisas jamais vistas antes. O tempo de maturar, com a calma que uma obra exige, e ao mesmo tempo com a constância e o vigor necessário para que ela não morra. Sou artesã e meu ritmo insiste em ser lento. Acabo indo contra o ritmo acelerado do metrônomo que toca o tempo inteiro nos ouvidos, pedindo para que a gente corra, pedindo para que a gente dê conta de muitos projetos, de muitas conquistas, de muitos títulos, de muitas teorias.
Na cena inicial do filme, nos é revelada uma carroça com muitos ossos de um boi, pelo áudio escutamos pessoas sendo enforcadas. Esse filme nos coloca diante de diálogos maduros que nos comunicam muito com uma economia impressionante de fala. Quando um diretor deixa que os figurinos falem, que os cenários e as locações comuniquem, e escolhe atores de olhos vivos que sabem ser tão bons estrategistas quanto um diretor precisa ser, assim a chance de se ter um bom filme é grande. Um bom filme é um filme que nos move. Recomendo Na Neblina, de Sergei Loznitsa.
A beleza da vida muitas vezes surge num suspiro de pausa, numa lua selvagem furando o mar, nas coisas para as quais não queremos olhar...
Na Neblina me faz pensar muito em como o artista precisa ser amigo do tempo. Amadurecer é levar porrada, ouvir críticas, se doar, realizar e poder ainda assim desacreditar do que foi feito. É se permitir ter urgência, tropeçar, cair, ferir, e é também se atirar, voar, ganhar reconhecimento. A obra exige que olhemos para ela com tempo, com calma, com um espírito artesão e livre. A obra nos suplica que nos lancemos para ela sem nos poupar e que talvez pelo meio do caminho a abandonemos, por que ela já não nos faz mais sentido. Um artista precisa ser um buscador por natureza, ele deve questionar o mundo, propor novas formas, provocar que novos olhares se abram para o mundo. O mundo ao mesmo tempo que parece se transformar numa velocidade rápida ainda mantém estruturas muito antigas. A missão do artista é que se mova a cada dia, que amplie seu olhar, descubra novas formas sempre.
A indústria exige produtividade, números, público, sucesso. Na indústria se fabrica produtos para serem consumidos, devorados pelo sucesso. O sucesso é muito importante, o dinheiro possibilita a produção nessa estrutura capitalista em que estamos inseridos. O sentido de uma obra, todo pensamento por trás dela, ainda é o mais importante para mim. Isso é ser artesão de alguma forma. O artesão se permite olhar primeiro, aceita não ver nada, para encarar novamente e logo depois ver fundo, tão fundo que descobrirá coisas jamais vistas antes. O tempo de maturar, com a calma que uma obra exige, e ao mesmo tempo com a constância e o vigor necessário para que ela não morra. Sou artesã e meu ritmo insiste em ser lento. Acabo indo contra o ritmo acelerado do metrônomo que toca o tempo inteiro nos ouvidos, pedindo para que a gente corra, pedindo para que a gente dê conta de muitos projetos, de muitas conquistas, de muitos títulos, de muitas teorias.
Na cena inicial do filme, nos é revelada uma carroça com muitos ossos de um boi, pelo áudio escutamos pessoas sendo enforcadas. Esse filme nos coloca diante de diálogos maduros que nos comunicam muito com uma economia impressionante de fala. Quando um diretor deixa que os figurinos falem, que os cenários e as locações comuniquem, e escolhe atores de olhos vivos que sabem ser tão bons estrategistas quanto um diretor precisa ser, assim a chance de se ter um bom filme é grande. Um bom filme é um filme que nos move. Recomendo Na Neblina, de Sergei Loznitsa.
A beleza da vida muitas vezes surge num suspiro de pausa, numa lua selvagem furando o mar, nas coisas para as quais não queremos olhar...
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